Medida Provisória: um alerta político sobre a fragilidade de direitos e pertencimentos

Longa é protagonizado por Alfred Enoch e Taís Araújo

“Como deixamos chegar nesse ponto? Como a gente riu disso?”, é uma pergunta que muitos brasileiros fazem há, pelo menos, quase quatro anos, mas também é um questionamento feito pelo jornalista André (Seu Jorge), que se encontra indignado e desconcertado sobre a realidade que vive em Medida Provisória. Dirigido por Lázaro Ramos, o filme é um alerta político sobre como os direitos de minorias são facilmente descartáveis em um país que sofre com as fragilidades do próprio passado, mas que não se cansa de repeti-lo. 

Adaptado da peça Namíbia, Não!, escrita e protagonizada por Aldri Anunciação, que Lázaro dirigiu para o teatro em 2011, Medida Provisória dialoga com os tempos atuais em que se naturaliza cada vez mais o ódio, o preconceito e a intolerância à primeira discordância, enquanto assistimos de mãos atadas absurdos sendo televisionados, nos restando apenas a inconformidade do que se tornou um lugar que avançava socialmente regredir em proporções gritantes. Escrito por Lázaro, Aldri e Lusa Silvestre, o roteiro discute o racismo estrutural presente e como sempre foi negada o direito de pertencimento dos negros, sob a justificativa de que o lugar deles é na África, e não onde eles queiram estar.

Por mais que seja ambientado em um futuro distópico, Medida Provisória não é tão irreal ao discutir a ideia de um governo que decide caçar, literalmente, a população negra para que seja mandada de volta para o continente africano, como forma de reparação pelo passado escravocrata no Brasil. É como se repetisse a História, na base de devolver na mesma moeda o mesmo sofrimento que ocorreu há mais de 400 anos – arranca uma pessoa de um lugar para colocá-la em outro. E, assim como já presenciamos com outros exemplos por aí, a medida provisória do filme acontece repentinamente na surdina, transformando a vida de muitos de uma hora para a outra. 

Na ficção, Seu Jorge e Alfred protestam para ficar no Brasil

Protestos em meio a um futuro incerto

O diretor Lázaro Ramos nos coloca na situação de desastre e das sensações de horror que é ser arrancado da sua casa, da sua terra, de um local que carrega o seu legado pessoal e coletivo. Porém, se por um lado, o drama político reflete sobre o racismo que, uma vez autorizado pelo governo, ganha forças inimagináveis, o filme inspira resistência ao retratar a união do povo preto encontrando meios para o acolhimento, a sobrevivência e, principalmente, para marcarem o seu território, onde é que estejam, reforçando que ali também é o seu lugar. Um outro modo de também de repetir a História. 

Por meio do casal Capitú (Taís Araújo) e Antonio (Alfred Enoch), Medida Provisória passa por sentimentos à flor da pele, assim como por reflexões sobre esperança, que serão pertinentes quanto ao  futuro incerto da dupla neste ambiente caótico e sufocante. Os personagens vivem experiências diferentes, mas que igualmente são formas de demonstrar as suas lutas pelo o que acreditam. Capitú encontra em uma comunidade secreta, o apoio e o refúgio junto aos seus para manter-se em pé diante de tanto sofrimento. Já Antonio protesta publicamente, ao lado do seu primo André, seja por meio digital ou aos berros da sua sacada, pelo seu direito de permanecer e de pertencer. Responsáveis por guiar a narrativa, o casal demonstra uma vulnerabilidade comovente, em sintonia com a proposta da história. 

Medida Provisória também não deixa de ser um sinônimo de luta por conta da sua trajetória até chegar às salas de cinema – seja por causa da pandemia ou por um imbróglio com a Ancine – reforçando ainda mais a mensagem de resistência, em um país em que fazer cinema é cada vez mais revolucionário. O diretor Lázaro Ramos faz uma estreia grandiosa atrás das câmeras por meio deste manifesto antirracista para que a história negra brasileira nunca seja apagada e muito menos mandada embora do Brasil.

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