
Como todo(a) jornalista, eu adoro saber da história das pessoas. Não seria diferente o meu interesse na cinebiografia de Aretha Franklin (1942-2018), cantora gospel que se tornou a Rainha do Soul e conquistou o mundo. Seus maiores clássicos ainda são referências na cultura pop, seu estilo influenciou uma legião de artistas e seu nome já registrou diversos recordes na indústria musical. Mas quando se trata de fazer um filme sobre a sua trajetória pessoal e profissional, infelizmente a produção não chega à sua altura.
Dirigido por Liesl Tommy, Respect: A História de Aretha Franklin (2021) é uma cinebiografia que não assume riscos e prefere caminhar pela zona de conforto ao retratar a jornada traumática e de superação de Aretha Louise Franklin, uma cantora e compositora de uma família conservadora e religiosa, que a encaminhou desde cedo para a música, especialmente nas reuniões familiares e nos cultos na Igreja Batista, onde todos sempre aguardavam ansiosos pelas suas performances. Mesmo nos primeiros anos da infância, o público ficava de queixo caído ao presenciar o incrível talento daquela garotinha encantadora da cidade de Memphis. Porém, esse encanto logo deu lugar ao silêncio das suas dores causadas por abusos sexuais, gravidez indesejada e a morte precoce da sua mãe, que faleceu em decorrência de um ataque cardíaco, aos 34 anos.

Não foi uma jornada fácil e Liesl Tommy vai usar os mesmos artifícios que já vimos em cinebiografias ou histórias do gênero para “desenhar” os sentimentos em cena como flashbacks para os momentos de crise, garrafas de bebidas espalhadas para reforçar os problemas com o álcool, seguido por cabelos bagunçados e maquiagem borrada e, claro, a narrativa ser o clássico linear retratando os primeiros anos de vida até quando supera as adversidades e atinge o auge novamente. Mas isso torna Respect um longa ruim? Longe disso, mas convenhamos, até o fim do ano, você vai esquecer que o assistiu. Isso não é algo que se esperaria de uma história tão forte como a de Aretha Franklin.
O poder de uma voz
Jennifer Hudson não poderia ter sido melhor escolha para se arriscar a assumir a própria voz para regravar os sucessos de Aretha. Acredito no potencial da atriz e cantora, ganhadora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pela sua atuação em Dreamgirls – Em Busca do Sonho, que em Respect trouxe uma performance até então, mais comedida, mas que logo se abre conforme a personagem vai se descobrindo e ganhando asas na sua carreira. Reflexo de uma educação moldada ao patriarcado e ao machismo, em que a personagem sempre obedeceu as ordens fervorosas do pai, o pastor C.L Frankin (Forest Whitaker), assim como seguiu na mesma linha quando se casou com o primeiro marido, Ted White (Marlon Wayans).
É possível perceber semelhanças nestas duas relações que se aproveitarem do talento incomparável de Aretha para as suas ambições, mostrando como ela não tinha autonomia perante a eles, o que acabava podando demais a sua liberdade criativa, assim como a sua própria independência como mulher. O roteiro de Tracey Scott Wilson tenta, ao máximo, apresentar alguns capítulos importantes na história da cantora, inclusive o lado político pela luta dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos nos anos 1960, em que a música negra e o ativismo andavam lado a lado. No entanto, tropeça ao querer trazer, como dito anteriormente, os clichês do gênero em colocá-la na posição de diva em questão de segundos, como se quisesse passar rapidamente pela personalidade difícil só para mostrar como ela não era perfeita na intimidade.
Forest Whitaker como C. L. Franklin (1915-1984) transparece toda a plenitude da sua posição na história, mas o filme faz questão de abafar o apelido de “a voz de um milhão de dólares”, assim como outros boatos da família. Marlon Wayans como Ted White é o encarregado de ser o “vilão”, por conta do seu papel sedutor e manipulador que ao mesmo tempo que incentivou a guinada na carreira de Aretha, também quase foi o responsável pela derrocada da mesma.
Como fã de musical e da própria Aretha, Respect: A História de Aretha Franklin merecia ser contada com muito mais vigor, paixão e criatividade. Não que precisasse ser uma prioridade, mas assuntos espinhosos poderiam ser discutidos com mais honestidade, assim como fugir do comodismo de escrever um roteiro baseado em matérias que facilmente encontramos na Internet. Não há nenhuma novidade a ser contada em Respect. Confesso até que foi uma surpresa, inclusive, não vê-lo entre os indicados ao Oscar deste ano, pois é típico filme biográfico que arrancaria indicações fáceis nas categorias de Melhor Atriz, Figurino e Cabelo e Maquiagem.
Porém, se há algo de bom a ressaltar em Respect, é a deixa para ir atrás do documentário Amazing Grace, filmado em 1972 e lançado somente em 2019, tendo a sua primeira exibição no Festival de Berlim. O material é o registro de dois shows que resultaram no álbum homônimo de músicas gospel, gravado na Igreja Batista, e que se tornou um campeão de vendas na época do lançamento. Este foi um desfecho mais do que justo para Aretha, pelo menos a que conhecemos no filme, fizesse as pazes com o seu passado.
Não assistimos ainda, mas é bom conhecer uma opinião.
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