
Como fã dos filmes do Batman, qualquer palavra que eu escreva ou fale sobre o novo longa-metragem do morcegão soará suspeita. Mas desde que saí da sessão, The Batman não sai da minha cabeça. Após dez anos do lançamento de Cavaleiro das Trevas Ressurge, último filme solo do super-herói, o diretor Matt Reeves revive o universo sombrio de Gotham City inspirado no que de melhor Batman já produziu para a sua própria trajetória no cinema.
Baseado na HQ O Longo Dia das Bruxas, o filme traz o super-herói (Robert Pattinson) como detetive aliado do comissário James Gordon (Jeffrey Wright), que juntos buscam montar o quebra-cabeça que Charada (Paul Dano) espalha em cada vítima de suas armadilhas, como uma forma de protesto contra o sistema que o criou. Em meio a isso, uma rede de corrupção entre figuras políticas e criminosos é exposta conforme os desdobramentos da apuração minuciosa do Homem Morcego, que também se surpreende com os respingos que caem sobre a Família Wayne.
No mais estilo sem risadinha, The Batman volta a apostar visualmente na escuridão, no sentido mais literal da palavra, para se ambientar intensamente no clima noir que o roteiro escrito por Reeves em parceria com Peter Craig propõe para investigar a série de assassinatos sádicos que assombra a cidade que não vê um raio de sol há tempos. Assim como já assistimos nos clássicos feitos por Tim Burton, entre os anos 1980 e 1990, que no seu estilo gótico irreconhecível leva um pouco dos quadrinhos para as telas, mas The Batman também reproduz uma urbanidade próxima da nossa realidade, como também já vimos na trilogia de Christopher Nolan.
Da referência à identidade própria
Matt Reeves cria uma personalidade particular na sua nova versão de Batman, ao pegar as referências do passado e moldá-las para a atualidade. O diretor e Robert Pattinson mostram uma composição inédita de um super-herói solitário, melancólico e anti social que busca preencher o vazio de uma infância traumática combatendo nas ruas o crime que tirou a vida dos seus pais. Infelizmente, existe pouco da persona de Bruce Wayne em cena, mas resumidamente, o magnata transparece uma tristeza que é sentida desde dos primeiros minutos de filme, em que narra a sua reflexão do que é ser Batman, até no olhar perdido do personagem que ainda procura um verdadeiro sentido na vida.

Mas se The Batman sabe te deixar deprê, ele também perturba. Paul Dano, mais uma vez, não decepciona ao interpretar personagens que correspondem à sua capacidade de mexer com a sanidade de qualquer pessoa. Como Charada, é uma pena que a maioria do seu tempo em cena, seja mascarado ou escondido, porém, o ator coloca tudo à prova quando finalmente chega na sua vez de provocar raiva e medo. Colin Farrell também é outro que mostra a sua versatilidade em papéis nem sempre convencionais. Como Pinguim, o irlandês está irreconhecível e super crível como o mafioso que não gosta do apelido por conta da sua aparência grotesca, consequência clara de uma vida baseada na criminalidade. Tanto ele quanto Paul Dano são responsáveis pelos momentos de maior adrenalina e tensão do filme.
Falando o óbvio
Agora, falar da atuação de Robert Pattinson é chover no molhado. Como muito acontece no filme. Mas ainda assim, é preciso ressaltar como o personagem caiu como luva para o ator que, desde Crepúsculo (2008), não parou de crescer e aperfeiçoar o seu talento diante das câmeras. Ao mesmo tempo que tinha receios desta escolha, não sei quem mais poderia chegar ao mesmo nível de atuação. Gosto como Pattinson não tem medo de se entregar aos personagem, e Bruce Wayne/Batman combina demais com a marca pessoal dele no cinema.

Zöe Kravitz é outro motivo que faz The Batman ser tão bom. Longe de querer levantar bandeiras, Selina Kyle também está à procura de vingança, assim como o Morcego por questões familiares e pessoais. A personagem também sofre com perdas, mas ao contrário do parceiro, ela não tem pretensão alguma de salvar Gotham, pois como toda mulher, sabe o quanto já ralou para salvar a sua própria pele em um mundo dominado por homens. Apesar de ter um plot um tanto quanto novelesco, gostaria que Selina não ficasse tão limitada. Minha esperança é que ela ganhe ainda mais espaço em alguma outra produção. E por que não, solo.
The Batman tem sido elencado como igual ou até mesmo superior que O Cavaleiro das Trevas (2008). O que é um exagero, vamos combinar. E olha que sou emocionada. Vejo muitas semelhanças entre os dois filmes – vilões que não tem nada a perder, violência extrema, Gotham City emboscada, longas perseguições de carros -, por isso, acredito que o ranking acaba sendo injusto, pois se não fosse por Nolan, dificilmente, Reeves chegaria a este ápice em 2022. Mas é preciso reconhecer o esforço de resgatar o legado de um dos super-heróis mais queridos e transformá-lo em uma obra que não tem receio de mergulhar nas próprias trevas em busca de um pouco de esperança.