Onde está Pedro Almodóvar em Estranha Forma de Vida?

Ethan Hawke e Pedro Pascal vivem um ex-casal. Foto: Divulgação

Apesar de estar tudo lá, o curta-metragem Estranha Forma de Vida não me parece ser uma produção autêntica de Pedro Almodóvar. E boa parte dessa sensação estranha, com o perdão do trocadilho, seja, exatamente, a “americanização” do estilo do diretor espanhol para fazer este filme.

Estrelado por Ethan Hawke e Pedro Pascal, esse último que virou um crush universal, a história de Estranha Forma de Vida acompanha o reencontro de um antigo casal após 25 anos separados. No entanto, essa aproximação, apesar de irresistível, acontece sobre outras intenções, além da carnal.

O roteiro de Almodóvar é uma livre inspiração em cima do dramático O Segredo de Brokeback Mountain (2005), o que poderia ser um ponto positivo considerando a intensidade que o cineasta sempre colocou em seus romances gays, mas não há faíscas saindo entre Silva (Pascal) e Jake (Hawke), como normalmente vemos nas interpretações espanholas. Por mais que Jake precise ser esse xerife frio e incorrupto, a inexpressividade do mesmo impossibilita mínima conexão com a humanidade dele nesta história. Já Silva propõe mais ambiguidade por, primeiro, ainda desejar o antigo amante e, segundo, desejar, ao mesmo tempo, despistar o xerife de uma investigação que pode prejudicar a vida de seu filho (Manu Ríos). E por mais que haja esse grande conflito de interesses, ainda é possível sentir os sentimentos do passado vindo à tona em Silva. E é essa paixão que vem lá do fundo do estômago que sempre movimentou os romances de Almodóvar e neste curta-metragem ficou pela metade. Quase como se fosse um drink que vem mais gelo do que qualquer outro ingrediente dentro do copo, sabe?

O desejo silenciado

Mas é preciso reconhecer como Almodóvar gabaritou o gênero western ao entender esse universo masculino e aplicá-lo ao seu modo. Especialmente pelo cineasta saber falar de desejo entre dois homens sem fazer apelos sexuais explicitamente óbvios. Um exemplo é o plano em que o diretor de fotografia, José Luis Alcaine, encaixa a cama de Jake ao fundo e coloca Pascal de costas, centralizando exatamente os seus glúteos, admirando o móvel, e tudo isso sendo o ponto de vista de Jake, que não verbaliza nada sobre o seu tesão, mas que entendemos que está ali internamente.

Pois, como Almodóvar mesmo explica depois, o western se trata sobre a masculinidade e um desejo silenciado que existe neste universo. Seja pela honra, ou até mesmo pela amizade, o faroeste carrega muitas nuances sobre o que não está sendo dito ou feito entre seus personagens homens, que abre um leque de possibilidades na ficção, que facilmente fariam o gênero ser mais atrativo do que atualmente é.

Reencontro trará antigos desejos à tona. Foto: Divulgação

Logo após a exibição do curta, Pedro Almodóvar concede uma entrevista exclusiva sobre Estranha Forma de Vida, parecendo ser uma coletiva para debater o curta. E esse momento é grandioso por proporcionar aos fãs, e o publico interessado, mais sobre seus insights criativos, curiosidades a respeito da produção deste filme, além de contar alguns spoilers sobre o que imaginou com o que poderia ter acontecido depois do final de Uma Estranha Forma de Vida.

Uma experiência rara ter esse monólogo do diretor após os créditos, ainda mais em exibição nos cinemas, para estender a conversa e, claro, poder justificar as suas escolhas criativas e poéticas em Uma Estranha Forma de Vida. No entanto, essa entrevista se torna mais interessante que o próprio curta-metragem, visto que, como mencionado, me parece ser uma refilmagem estadunidense de uma produção que, com certeza, é infinitamente melhor na sua versão original.

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