#51FCG: O Barulho da Noite e Uma Família Feliz refletem violências silenciadas no ambiente familiar

Emanuelle Araújo em O Barulho da Noite. Foto: Divulgação.

É indiscutível a forte presença feminina nas histórias do 51º Festival de Cinema de Gramado. Com exceção de Mussum – O Filmis, as mulheres protagonizam as suas demais tragédias sociais e pessoais nos filmes selecionados para a Mostra Competitiva de Longas Brasileiros.. O Barulho da Noite, de Eva Pereira (única diretora mulher na Mostra competitiva de longas-metragens brasileiros), e Uma Família Feliz, de José Eduardo Belmonte, se assemelham por conta das condições impostas às suas protagonistas em seus dramas bem opostos. Ambas são conduzidas por famílias aparentemente bem-sucedidas, uma no campo e outra no centro urbano, mas que provocam dores nas mulheres protagonistas, deixando-as completamente desoladas e sem saídas.

O filme de Eva Pereira acompanha um ciclo violento silencioso que acontece debaixo dos nossos narizes, deixando as vítimas de mãos atadas. Ou você reage ou você morre. Seja uma mulher adulta ou criança. Porém, O Barulho da Noite deixa claro os contrastes dos afetos masculinos recebidos. Enquanto Marcos Palmeiras interpreta Agenor, um homem comum e conservador, Athayde (Patrick Sampaio) chega amedrontando só com a presença corporal no ambiente que, antes, era cheio de ternura e alegria, especialmente para as pequenas Maria Luiza (Alícia Santana) e Ritinha (Anna Alice Dias). Já Sônia (Emanuelle Araujo), castigada pelos traumas da infância, é quem toma as responsabilidades e as consequências da casa, do marido e das filhas. E, com isso, acaba se tornando a vilã, aos olhos das crianças, de ter mudado a rotina da família.

Uma Família Feliz também começa neste estilo. Inicialmente, Eva (muito bem vivida por Grazi Massafera) é tida como a esposa perfeita. Aquela que está sempre bela, em dia com os cuidados da casa, do marido e das enteadas. Mas, com a chegada do seu primeiro filho, a felicidade dá lugar à desconfiança a respeito da sanidade da nova mãe. Eva sofre com o puerpério, com o cansaço da rotina e a falta de jeito com o bebê. Ao mesmo tempo, tudo ao seu redor começa a se virar contra ela, a deixando ainda mais frágil e abalada emocionalmente, fazendo com que se torne um alvo fácil para ataques alheios.

Uma Família Feliz traz Grazi e Giane no elenco. Foto: Divulgação.

Foi interessante perceber como os dois filmes foram exibidos um dia após o outro e colocam as protagonistas, junto de suas filhas – coincidentemente duas crianças – lidando contra as consequências que sempre são desfavoráveis às mulheres independente do contexto em que estão inseridas. Mas, felizmente, as direções dos filmes são diferentes: enquanto Eva Pereira entende a sensibilidade de lidar com gatilhos, Belmonte é muito mais explícito na sua mensagem. Especialmente na cena pós-crédito. E, no que se refere aos personagens masculinos, a dupla os deixa mais passivamente, mas sem perder a relevância, visto que tudo acontece por causa deles.

Pessoalmente, O Barulho da Noite me toca mais por revelar um drama pelo olhar de uma menina que perde a sua inocência e se encolhe pela dor silenciada e pelo pedido mudo de socorro nunca atendido. É pelo não dito de uma criança que é muito mais gritante e doloroso, tão bem identificados pelas atuações estrondosas de Alícia Santana e Anna Alice Dias, duas atrizes talentosas.

Em Uma Família Feliz, o roteiro escrito por Raphael Montes não é dos mais empolgantes por conta das obviedades do gêneros e caminhos fáceis de desvendar. Sou muito a favor que mais filmes de gênero sejam selecionados para o Festival de Gramado, especialmente por ter papéis mais desafiadores para atores populares como Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini, porém, confesso, que parece um filme que já vi por aí.

O Barulho da Noite será lançado nos cinemas em 2024 e Uma Família Feliz não tem previsão de estreia.

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