
O que é mais difícil de encarar: a solidão ou a si mesmo? Em O Livro dos Prazeres, Lóri (Simone Spoladore) é uma mulher solitária que mantém as relações da sua vida à distância. Seja uma simples amizade ou a família, a professora recém chegada no Rio de Janeiro tem dificuldades em estabelecer elos afetivos profundos com qualquer pessoa à sua volta. Mas qual será o motivo dessa bolha existir? Será angústia? Desinteresse? Antipatia? É o que o longa-metragem dirigido por Marcela Lordy, que também assina o roteiro ao lado de Josefina Trotta, tenta decifrar nessa história introspectiva e reflexiva.
Baseado na obra Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969), de Clarice Lispector, o filme fala sobre o afeto por si mesma, quando começamos a nos conhecer profundamente para termos consciência de quem somos, o que queremos da vida e o que queremos dividir com o outro. Marcela Lordy tem a difícil missão em adaptar um romance de uma das escritoras mais idolatradas da literatura nacional para os dias atuais e, felizmente, consegue traduzi-lo para as telas com muita sensibilidade, originalidade e naturalismo. Protagonizado por Simone Spoladore, O Livro dos Prazeres possui uma sintonia impecável com a atriz que transmite muito com o seu corpo e com a sua alma. Inicialmente, Lóri não parece estar em busca de nada, a não ser o seu próximo caso instantâneo. É como se ela não tivesse nada a oferecer a não ser o próprio corpo para as pessoas, temendo que descubram o que ela pensa ou sente.

No entanto, quando conhece Ulisses (Javier Drolas), um professor de filosofia argentino, ela é desafiada a enfrentar esse comportamento superficial para que possa finalmente se entregar, de fato, para a vida. E por que não, para o amor. Especialmente se este for o amor próprio. Acostumada a fugir de tudo e de todos, Lóri começa a repensar as suas escolhas e os seus sentimentos. Por isso, a solidão conhecida pela personagem passará por uma ressignificação, em que será preciso refletir sobre si e não mais usá-lo como uma estratégia. É interessante como esse período mais introspectivo é feito no apartamento que ganhou de presente da mãe, outra mulher que também mantinha seus segredos e pensamentos guardados à espera da pessoa certa compreendê-los.
O Livro dos Prazeres é um filme reflexivo, em que a mulher é colocada no centro da história para que ela possa viver sem julgamentos, sem estereótipos e pronta para encontrar a própria identidade. Simone Spoladore é encantadora como Lóri, em que utiliza do seu talento dramático para dar vida a uma mulher que representa muitas de nós que estão em busca de si para se entregar para a vida e vivê-la sem medo. Marcela Lordy entregou um belo presente cinematográfico com mulheres escrevendo, protagonizando e dirigindo uma história tão nossa.