Que Horas Ela Volta?

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A pernambucana Val se mudou para São Paulo a fim de dar melhores condições de vida para sua filha Jéssica. Com muito receio, ela deixou a menina no interior de Pernambuco para ser babá de Fabinho, morando integralmente na casa de seus patrões. Treze anos depois, Jéssica lhe telefona, pedindo ajuda para ir à São Paulo, no intuito de prestar vestibular. Os chefes de Val recebem a menina de braços abertos, só que quando ela deixa de seguir certo protocolo, circulando livremente, como não deveria, a situação se complica. Fonte: AdoroCinema

Existem um milhão de motivos pelo qual eu amo o cinema. Um deles se resume em representar aquilo que está acontecendo a nossa volta e conseguir repassar isto para resto do mundo. Que horas ela volta? não é só o Brasil de hoje, mas é uma história atual tanto minha quanto de outra Jéssica e Val que existe por aí,  e dá tanto orgulho de ver que sim, o país está mudando, viu dona Bárbara? Digo isso porque também sou filha de alguém que fez de tudo pra me sustentar e me dar uma vida melhor. De quem teve que baixar a cabeça pra muito patrão e continuar servindo, limpando e cuidando dos outros pra eu não ter que passar pelo mesmo caminho.

Val (Regina Casé) saiu lá do Pernambuco para ir a São Paulo, pois ali teria mais chances de sustentar sua filha, Jéssica (Camila Márdila) que ficou em casa. Na cidade grande, Val acabou se tornando uma “segunda mãe” para a família de Bárbara (Karine Teles), uma estilista que não gosta de conjuntos descasados, que é esposa de um herdeiro, o seu Carlos (Lourenço Mutarelli), que se acomodou e nunca mais teve inspiração para pintar, e que é pai de Fabinho (Michel Joelsas) um adolescente que também “gosta de ler”. Tudo aparenta estar bem até que Jéssica resolve também tentar a sorte grande em São Paulo ao ir prestar vestibular para arquitetura em uma concorrida faculdade. Disse que aparenta estar bem pois Val acredita que sua filha é que nem ela, que vai aceitar tudo de bico calado e não reclamar de nada. Engano seu! Jéssica cresceu e se tornou confiante por sua criação tê-la feito aprender que ninguém é melhor e nem pior que o outro. Se Val foi à São Paulo tentar melhorar a vida, limpando a casa dos outros, Jéssica vai para tentar melhorar a vida estudando.

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Tudo no maravilhoso filme de Anna Muylaert está na essência do caráter de cada personagem. Jéssica representa a nossa geração que foi criada e principalmente, educada, para conquistar o mundo, ir além do que seu habitat lhe oferece. Ainda mais com as opções e possibilidades de hoje. Enquanto que para dona Bárbara, filho de empregado, empregado será. Não percebe que ela não gosta nem do conjunto de xícaras misturados, imagina pobre se infiltrando com o seu povo. São estes dois mundos que se batem de frente dentro de uma casa que existia harmonia e tudo era aceito. Afinal, tava tudo em seu lugar, não é? Val era da família, mas dormia no quartinho dos fundo apenas com um ventilador, comia depois que os patrões fizessem suas refeições e não podia entrar na piscina. Jéssica não acredita nas condições e nas “discretas” humilhações que sua mãe vive, pois acreditava em tudo que ela lhe dizia pelo telefone. Mas é que Val é de outra geração. É daquela época em que o empregado tem que ser cego, surdo e mudo pra não perder o emprego, pois é a única coisa que tem. Esta era herança dada de quem era da baixa classe social. Estudar? Vestibular? Isso é coisa de rico, de gente inteligente. Pobre não consegue estas coisas, não.

Que horas ela volta? é um filme político, já disse a diretora, e não é nada panfletário, viu? Vamos parar com a birra por aqui e aprender com esta bela arte que é o cinema. As eleições do ano passado, panelaços, ir morar em Miami, tudo vai fazer mais sentido agora. A história retrata duas coisas perfeitamente: a desigualdade social e a transição que a gente vive. A relação de poder que Bárbara tem é o pedestal do qual não quer descer e nem aceitar que a filha da empregada possa ter algum tipo de sucesso através do esforço. “Foi apenas sorte”, pensaria. E até quando Val vem dar uma boa notícia, a patroa não esboça nenhum tipo de reação e continuando apática ao lembrar que a segunda fase do vestibular é a mais difícil. Ela não estimula, apenas segura a felicidade alheia. Até Fabinho, que via sempre Val como mãe, vai lamentar a derrota com a sua segunda (?) mãe, pois sente-se tão humilhado quanto ela (Bárbara). E tudo são as mulheres que conduzem tudo por aqui, pois até o pai da família, que coloca o som pra todo mundo dançar, aceita tudo numa boa. Assim como dito antes, ele está acomodado pelo seu status social que lhe permite tranquilidade e não requer nenhum tipo de trabalho. Acontece pra quem pode, né?

A diretora Anna Muylart demorou 20 anos pra deixar este filme pronto e valeu a pena cada segundo que vivi pra assisti-lo. E mesmo que tenha começado há tanto tempo, esta história nunca parou de se atualizar. O cinema é capaz de tornar visível o que é invisível aos nossos olhos. Aos nossos, não né? Eu percebo e comemoro esta evolução que me é permitida. Val também comemora quando vê que Jéssica tinha razão. Você vai se emocionar com a cena da piscina que nada mais é do que a representação da liberdade que é dada. De que o pobre venceu! É um exemplo e também uma aula de como deveria existir mais Jéssicas para libertar mais Vals deste Brasil.

Direção e Roteiro: Anna Muylart
Elenco: Regina Casé, Camila Márdila, Michel Joelsas, Karine Teles, Lourenço Mutarelli
Gênero: Drama
Nacionalidade: Brasil

4 comentários

  1. Que texto maravilhoso!!!! Eu ainda não assisti ao filme, pois me recuso não vê-lo na tela grande e prestigia-lo da maneira devida. Eu ouvi alguns comentários por alto sobre esse filme, o seu foi o primeiro texto que li sobre e foi o suficiente para me convencer de vez.

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