
O cineasta Iberê Carvalho fez de O Homem Cordial, seu novo filme que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, um desabafo sobre as angústias políticas dos últimos tempos no Brasil.
Tudo começou em 2016 e se alongou no decorrer dos anos: o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, as fake news compartilhadas nas redes sociais, o crescimento e a legitimação do fascismo no país e, como não poderia faltar, a eleição de Jair Bolsonaro como 38° presidente do Brasil. Mas foi a partir da notícia da abordagem que o cantor e compositor Chico Buarque sofreu no Rio de Janeiro por conta do seu posicionamento político, que nasceu o embrião de O Homem Cordial.
“Quando filmamos em 2018, não sabíamos quem iria ganhar. Naquela época, parecia exagerado falar sobre tudo o que a gente queria trazer. Parecia uma crônica dos tempos que vivíamos, pois a crônica tem essa função de realçar o percalço e sublinhar aspectos da vida que passam despercebidos. Quando editamos, estávamos em outro momento e quando o filme estreou no Festival de Cinema de Gramado, fomos agredidos e xingados durante a passagem no tapete vermelho. Tudo isso aconteceu muito rápido. Hoje vivemos uma tentativa de voltarmos a normalização, mas depois do Bolsonaro, todo mundo já percebeu o buraco que podemos chegar enquanto sociedade”, afirmou o diretor em entrevista exclusiva para Cine Looou.




Além disso, O Homem Cordial também aborda temas críticos sobre a nossa sociedade como o racismo e a cultura do cancelamento na internet. Na história, escrita em parceria com o roteirista uruguaio, Pablo Stoll, Aurélio (Paulo Miklos) é um cantor de rock que se envolve num incidente, no qual um policial acaba morto e um vídeo viraliza na internet. No início da trama, não sabemos muito bem o que realmente, mas o músico se torna alvo de um julgamento, colocando até mesmo sua vida em risco.

“São vários retratos possíveis neste filme. Uma das funções da arte é fazer a gente se olhar no espelho, se reconhecer e tentar mudar aquilo que não nos agrada. O que acontece com Aurélio é que ele, aos poucos, vai sendo atacado, cada hora por um lado. E quando se está atrás de uma tela, é muito fácil curtir uma fake news, falar mal do trabalho de alguém. Dar uma extravasada. Só que do outro lado tem um ser humano que vai sofrer. O filme fala sobre isso, que na outra ponta, também tem outro ser humano. E dependendo da classe social, da cor da pele, o impacto e as consequências podem ser muito graves. E no fim, ninguém se acha culpado”, explicou Iberê.

A música tem uma função essencial em O Homem Cordial. Usada para ser um instrumento político, dar voz às causas sociais e protestar contra as injustiças, o diretor aproveitou para trazer representantes do rock e do rap brasileiro para amarrar ainda mais a história.
“O rock era voz de contestação dos jovens nos anos 1980. Era a expressão da rebeldia. Hoje, quem exerce essa função de contestar a caretice e ir contra a opressão é o rap e o funk. A música é muito importante no filme e os atores foram pautados por essa observação. O Aurélio está um pouco perdido, porque ele não é um roqueiro conservador, mas também não entende a militância digital”, contou.
E após passar pelos tempos obscuros na cultura brasileira, que sofreu com falta de investimentos e de editais, Iberê comemora a retomada do Ministério da Cultura e enxerga o futuro do audiovisual brasileiro com muito otimismo: “Voltamos com a ministra Margareth Menezes sabe o que quer e reconhece a importância da arte no país. O Brasil tem tudo para protagonizar um cinema que faz barulho e repercute lá fora.”