
O filme Noites Alienígenas estreou fazendo história. Exibido pela primeira vez no 50º Festival de Cinema de Gramado, o longa-metragem de Sérgio Carvalho conquistou seis Kikitos, entre eles, o de Melhor Filme. Relembre aqui. Agora é a vez do público ter a chance de assistir a produção acreana.
O roteiro, assinado por Carvalho, Camilo Cavalcante e Rodolfo Minari, parte de um livro homônimo escrito pelo diretor há 10 anos que, segundo ele, faz um profundo mergulho no universo da dependência química. O interesse surgiu logo após se mudar para o estado do Acre, na Amazônia brasileira, quando recém tinha se formado em Cinema no Rio de Janeiro.
“Eu vim em busca da floresta e dos povos indígenas. Mas quando cheguei, fiquei surpreendido com a quantidade de usuários de drogas. Vimos o Acre ser tomado pelo crime organizado, pelas guerras entre facções. Foi um assunto que me interessou, assim como a perda de identidade do norte do País, que foi impactada com as mudanças muito violentas das rotas do narcotráfico. É uma realidade que está chegando nas florestas, nos povos tradicionais e estamos distante. É uma tragédia social que precisa ser dita, anunciada e refletida”, afirmou.
O cineasta relatou que na hora de adaptar o livro para o cinema, entendeu que a história precisava de atualizações. “Precisava colocar a força do movimento da cultura urbana, essa pulsão da juventude das periferias com o contraponto com a criminalidade. Me incomodava ler notícias de mortes de jovens nas páginas policiais, isso tinha que estar além do sensacionalismo. Ao mesmo tempo que há esse olhar de pesar, o filme também tem esse olhar poético sobre a potência da juventude. Isso me trouxe esperança”, explicou.
A produtora Karla Martins falou sobre a urgência da descentralização das políticas públicas para todo o Brasil ter o direito de fazer cinema. “O País precisa ser generoso com ele mesmo para que o nosso povo se olhe. Não é possível que se viva em um País desse tamanho e ainda precise de política para descentralizar recursos para que ‘as pessoas possam acontecer’. Embora Noites Alienígenas seja um filme urbano, ele é uma polifonia da floresta. A Amazônia é uma floresta com muitas cidades dentro. É um retrato do nosso Brasil”, disse.

Os atores Adanilo e Gabriel Knoxx, que vivem Paulo e Rivelino respectivamente, são os responsáveis pelos momentos mais impressionantes de Noites Alienígenas. “Na época da filmagem, a minha filha tinha 1 ano e pouco, e sempre quando filmava com o Enzo, que interpretou meu filho no filme, era muito doloroso pensar em uma criança inserida naquele cenário com o pai dependente químico. Isso sempre resvala na família. Era difícil não pensar na relação pai e filho”, contou Adanilo.
Já Gabriel, premiado como Melhor Ator no Festival de Cinema de Gramado, sentiu a responsabilidade de representar muitos jovens que buscam sobreviver por meio do tráfico: “Foi difícil encarar esse personagem, pois eu estava dando voz a muitas pessoas que já passaram por aquilo. Então gera uma sensação de responsabilidade para gente se entregar e dar o seu melhor. Foi um papel difícil, mas muito gratificante.”
Desafios e aprendizados
O filme Noites Alienígenas marcou a estreia da vencedora do Big Brother Brasil 2018, Gleici Damasceno, como atriz, na personagem de Sandra. “Foi um grande desafio. Eu passei por muitas sensações, mas estava confiante por estar filmando com o meu povo. Me identifico com a Sandra, que é muito sonhadora e determinada, e vejo nela muitas pessoas com quem cresci. Esse papel me gerava muita alegria, mas também muita responsabilidade por enxergar que é uma história parecida com de outras meninas”, relatou.
Chico Diaz interpreta o enigmático traficante Alê que assume a função de pai, além de ser um guia na caminhada de Rivelino (Knoxx). “O Alê está na roda viva. Não o julgo. Ele é uma memória doce do que que havia naquela realidade. Julgar os personagens não contribui para a discussão. Como artista, é muito gratificante ver o corpo e a força que o filme tomou”, afirmou.

Para compor Beatriz, mãe de Rivelino, a atriz Joana Gatis buscou referências na realidade após uma conversa inusitada com um taxista. Segundo ela, ao compartilhar detalhes da personagem que interpretaria em Noites Alienígenas, ele comentou “você está descrevendo a minha mãe”. “A Beatriz é gozo e dor. Ela me leva para um lugar que me dói. O resultado mostra que conseguimos chegar em um lugar que toca. A maioria das mães passam pelo o que a Beatriz passou e eu acredito na potência que o filme tem de abrir os olhos”.
Porto Solidão, de Jessé, embala uma das cenas mais emocionantes do cinema brasileiro, protagonizada por Joana Gatis e Chico Diaz. De acordo com o diretor, a escolha da canção surgiu inconscientemente de uma memória materna. “O Jessé me leva para um lugar de melancolia. Me lembrei de quando era criança, minha mãe escutava Porto Solidão nos momentos de tristeza. Recebi vários relatos de que essa música também fazia essas pessoas lembrarem de suas mães. De alguma maneira, Jessé atingiu o arquétipo feminino com essa música e foi uma maneira de expressar a dor da personagem”, concluiu Sérgio.
Atingida pelas fortes chuvas no Acre, produtora do longa, Saci Filmes, se uniu à divulgação das campanhas em prol das vítimas da enchentes. As doações podem ser feitas para o PIX: 01.709.293/0001-43, que é o CNPJ da ASMAC. As doações presencias podem ser entregues no Fórum Barão Rio Branco (sala da ASMAC), Cidade da Justiça (guarita) e sede do Tribunal da Justiça do Acre (guarita).