
Medusa foi filmado em um momento ultra conservador no Brasil. A expectativa era chutar a porta dos cinemas com este terror dirigido por Anita Rocha da Silveira (Mate-me Por Favor) que queria gritar contra a intolerância, o machismo e o falso moralismo instaurado em um país governado por representantes que exaltavam essas palavras. O cenário político brasileiro mudou, mas a vontade de contar essa história seguia mais forte do que nunca.

Apesar desta premissa, Anita não queria produzir um filme pesado. “É importante ter a risada no horror. Ainda bem que o filme está sendo lançado em um momento do país mais relaxado, com uma energia boa. Hoje, eu acho que o público poderá assistir com mais leveza do que se fosse lançado no passado”.
Em Medusa, Mariana (Mari Oliveira) pertence a um mundo onde deve manter a aparência de ser uma mulher perfeita. Para não cair em tentação, ela e suas amigas se esforçam ao máximo para controlar tudo e todas à sua volta. Ao cair da noite, elas formam uma gangue e, escondidas atrás de máscaras, caçam e punem aquelas que se desviaram do caminho correto. Porém, dentro do grupo, a vontade de gritar fica cada dia mais forte.
A busca pela sua verdadeira essência é o que move a narrativa de Mariana. “A partir do momento que a personagem começa a se questionar e não reproduz mais o que lhe falavam o que era certo, deixa de se sentir acolhida naquele grupo de mulheres religiosas. Então ela vai buscar conforto em outros lugares e em outras pessoas”, explicou a atriz, que emergiu nas igrejas evangélicas para preparar a protagonista.
“Queria construir a religião como aliada da personagem. Eu sou do candomblé e tinha muita resistência por conta de desentendimento entre essas religiões. Então comecei a ir a cultos, porque queria ouvir de uma perspectiva que não julga. Fui em duas igrejas: essas que são mais jovens, com uma roupagem diferente, e às que existem no bairro onde cresci, na zona norte do Rio de Janeiro. E quando comecei a frequentar, eu me senti muito acolhida e fui começando a entender a função desses lugares: que te cuida, te ensina, que te ocupa. Enfim, foi importante”, relembrou.
Apesar da boa receptividade de Mari Oliveira, em Medusa, a abordagem entre as mulheres evangélicas a outras mulheres é completamente oposta. Para Carol Romano, a formação dessa comunidade que endeusa os bons costumes e a submissão feminina, em que existe um padrão a ser seguido igualmente a todas, provoca sentimentos internos muito conflitantes. “É muito doloroso não saber quem você é. Essas personagens não olham para as verdadeiras vontades, só seguem uma ninhada. Essa violência e raiva vem da falta de questionamento próprio”, destacou a atriz.

Contudo, Anita ressalta que Medusa não tem a intenção de atacar as comunidades evangélicas brasileiras.
“Não é uma crítica geral, mas para certos grupos que são intolerantes, extremistas e que alimentaram a onda ultra conservadora no País. Quem conhece esses ambientes, vai entender o que estamos falando”, explicou.
Já o processo de atuação da Bruna G, que interpreta a novata Clarissa, foi diferente. “Ela recém chegou e tenta se inspirar na Mari. Tem muita coisa dentro daquele grupo que ela não concorda, mas continua seguindo. Eu não frequentei os cultos justamente para a personagem ter o impacto da surpresa”, revelou.
Fuga da realidade
A fuga da realidade atrelado a elementos fantásticos foi o que atraiu Bruna Linzmeyer para fazer parte de Medusa. “Dependendo de quem você é e da onde você vem, percebe o filme de uma determinada maneira e isso é poderoso. Eu já queria trabalhar com a Anita, que soube brincar com a minha imagem pública e pessoal. O filme me fez questionar ‘que de outras formas a gente tem atacado fogo na cara das mulheres?’ Porque a gente tem feito isso com mulheres que são livres, acabando com a autoestima e com a confiança delas”, provocou.
Fundamental para a trajetória de Medusa, Felipe Frazão elogiou a parceria feita com Mari Oliveira para a construção dos seus personagens. “É um amor preto. Eu adoro como a relação deles se estabelece aos poucos, sendo algo muito sóbrio e sincero. Meu trabalho com a Mari possibilitou isso, pois queríamos que tivesse muita verdade”, contou. O ator também exaltou que, na sua carreira, pôde trabalhar com filmes políticos: “É mais pelos ‘nãos’ que eu digo, que fazem a diferença. Não é fácil dizer não, porque a nossa profissão de ator, ainda mais sendo uma pessoa negra, é muito complicada.”