“Me considero um operário da arte”, afirma Lucas Andrade, do longa Regra 34

Da periferia paulista, Lucas Andrade tinha 17 anos quando estreou no Teatro Oficina, no espetáculo Cacilda!!!. Desde então foi se redescobrindo como artista, sendo um dos destaques do longa Regra 34, vencedor do Leopardo de Ouro, principal prêmio do Festival de Cinema de Locarno, na Suíça, em 2021, além de atuar como diretor artístico da Galeria HOA, com sedes em São Paulo e Londres, onde realiza um trabalho de fortalecimento da arte preta e periférica.

“Às vezes me parece um tanto sublime a consideração do artista e eu discordo desse lugar. É claro que lidamos com nossas sensibilidades, mas não deixa de ser um trabalho de ação e feitura. Ainda temos uma visão muito elitista da arte, e nesse sentido eu me considero um operário da arte, porque estou sempre em todas as frentes, seja no intelectual ou no braçal”, afirma.

Destaque em Regra 34, novo longa da diretora Julia Murat, que aborda questões referentes as práticas de BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo). “O filme acompanha a história da Simone, uma jovem advogada negra que pagou sua faculdade com performances online de sexo. Só que quando ela se forma, vira defensora pública, e passa a defender mulheres vítimas de violência doméstica. E um dos desafios é mostrar essa dualidade, e a violência como repressão e forma de prazer, e como isso impacta em nossos corpos. O Coyote, meu personagem, é apresentado a esse universo, e cria uma relação de troca com a Simone, sem uma figura fixa de dominador ou submisso”, detalhou.

A produção ganhou o Leopardo de Ouro, em Locarno, em um dos mais respeitados e prestigiados festivais de cinema do mundo. O ator foi pessoalmente pra Europa participar da premiação. “Levar esse filme, que traz questões complexas que vivemos e debatemos aqui, foi muito bom. É a primeira vez em 55 anos que um longa nacional ganha esse prêmio, e isso mostra a potência e a importância do trabalho que estamos realizando”, ressaltou.

Papéis sensíveis 

Abordar temas sensíveis é algo rotineiro dentro da carreira do ator. No próximo ano irá lançar o documentário ficção Corre ou imensidão das pequenas coisas: “É uma pesquisa em relação a história política da cidade de São Paulo sobre o corpo de um homem preto. O projeto já foi fechado e agora estamos em busca de investimentos para a pós-produção”, comentou.

Andrade começou no cinema em Corpo Elétrico, ganhando elogios da crítica internacional. Assinou o figurino de , filme de Ana Flávia Cavalcanti e Júlia Zakia e vencedor do prêmio de melhor filme no festival de Brasília, além de co-roteirizar o curta Bluesman, do Bacu Exu do Blues, vencedor do Grand Prix em Cannes. “Apesar de ser um ator, me considero um artista multi. Gosto de estar presente em todas as fases da produção, como roteiro e figurinismo. A arte permite que a gente consiga colocar em um projeto nossa essência, e isso pra mim é algo mágico”, apontou.

Para além dos cinemas

Lucas é diretor artístico da Galeria HOA, que possui sedes em São Paulo e Londres, e serve também como residência aos artistas, uma incubadora onde podem desenvolver seus trabalhos, além de exibi-los em feiras e eventos. “Somos a primeira galeria de propriedade negra do Brasil, dedicada a uma perspectiva decolonial da arte contemporânea latina, com ênfase na produção artísticas de pessoas racializados (diásporas indígenas e africanas/ asiáticas)”, explicou.

Fora da galera a parceria entre Igi e Lucas também é forte. Juntos criaram o Ambiente de Empretecimento da Arte Nacional a Favor da Descolonização Cultural (AEANFDC), um coletivo de artistas negros dissidentes periféricos LGBTQIA+. Para o artista, que tem origem na periferia paulista, seu trabalho está ligado à sua própria origem, por isso conta que tem como objetivo externalizar essa voz, muitas vezes ofuscada por um padrão elitista. Ele também relata que o objetivo da sua arte é a possibilidade da realização de sonhos, de futuro e principalmente do presente.

“Quero abrir a porta para outros jovens como eu, que vieram de lugares e realidades duras, para que eles possam existir e prosperar no cenário artístico e nessa sociedade que ainda os excluí. A arte tem esse poder inclusivo, e a partir dela conseguimos construir uma sociedade mais justa e melhor”, finalizou.

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