Serial Kelly: uma comédia brega, ácida e muito safada

Nenhum título de filme brasileiro será tão genial quanto Serial Kelly, uma produção que marca a estreia de René Guerra na direção de longas e também a de Gaby Amarantos como protagonista nos cinemas. A cantora belenense estrela essa comédia cheia de ousadia e coragem. Na trama, escrita por pelo diretor ao lado de Marcelo Caetano, Gaby é Kelly, uma mulher empoderada e uma estrela em ascensão do forró eletrônico que viaja pelo interior do nordeste brasileiro deixando mortes por onde passa. Essa onda de assassinatos é investigada de perto pela delegada Fabíola (Paula Cohen), que se comove pelo caso por conta do machismo e do preconceito dos seus colegas policiais.

Serial Kelly é, em resumo, uma comédia brega, ácida e muito safada. É curioso assistir a tamanha transgressão desta história e das suas escolhas narrativas que beiram ao absurdo e ao surrealismo. Dificilmente, o longa-metragem poderia ter uma abordagem convencional se não esta escolhida por René Guerra que debocha do moralismo, do patriarcado e do politicamente correto por meio dos seus personagens femininos. “Em terra de matador, mulher que mata é serial killer”, fala a delegada indignada em um programa de televisão, sendo esse o mote do filme que discute o peso do machismo no Brasil.

Botando os machos pra dormir

Kelly toma para si muitas dores, além das suas. As suas vítimas não são escolhidas de modo aleatório, há um forte motivo pelo qual aqueles homens não farão mais falta para ela e para o mundo. A cantora sofre com o fato de ser uma mulher no meio do mercado da música e, obviamente, com as consequências disso em uma sociedade hipócrita. Com um passado obscuro e sedenta por se vingar de quem a enganou, Kelly não abaixa a guarda em nenhum segundo desse filme. E é impressionante como Gaby Amarantos abraçou de jeito essa protagonista visceral e intensa. Firme em cada decisão e dissimulada a ponto de enganar, inclusive, o público, a atriz faz uma interpretação sem pudor, sem vergonha e sem amarras de uma personagem que ninguém mais poderia assumir.

Serial Kelly se joga em um nordeste contemporâneo mas também apocalíptico, com tanta nudez que faria o gênero da pornochanchada se orgulhar das tamanhas referências. Além da belíssima fotografia de Pedro Urano, a trilha sonora é um dos maiores pontos altos do longa-metragem que, claro, conta com muitos embalos originais na voz de Gaby Amarantos, incluindo ainda uma versão nacionalizada do clássico dos anos de 1970, da banda Talking Heads, Psycho Killer, assim como as faixas Vai com Deus, Mestiça e Me Usa.

Fortemente impulsionada por discursos feministas, Serial Kelly se atreve fugindo dos padrões de beleza, de narrativa e do final feliz. Está longe de ser perfeito, mas é impossível não se deixar levar pelo som brega e da cafonice.

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