Carvão: um filme maravilhosamente hipócrita

Carvão é um filme indefinível. Dirigido e escrito pela premiada diretora de curtas Carolina Markowicz, a produção – que foi um dos pré-selecionados para representar o Brasil no Oscar 2023 – marca a estreia da cineasta na direção de um longa-metragem. E que estreia, meus amigos. Você não sabe dizer se Carvão é uma comédia, um drama ou até mesmo um suspense pois os gêneros se intercalam e resultam numa história maravilhosamente hipócrita.

Numa pequena cidade do interior, uma família recebe uma proposta inusitada, mas também muito perigosa: hospedar um desconhecido estrangeiro em sua casa. Antes mesmo da chegada dele, no entanto, arranjos precisarão ser feitos, e a vida em família começa a se transformar. Porém, nenhum dos familiares, e muito menos o próprio hóspede, vê suas expectativas cumpridas.

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Nós temos o costume de acreditar que a família tradicional brasileira se remete apenas à imagem de pessoas de classe média alta em suas casas grandes, mas o pessoal mais pobre também tem a preocupação de manter as aparências. Isso é o que acontece no lar de Irene (Maeve Jinkings), casada com Jairo (Romulo Braga), com quem tem uma pequena carvoaria no quintal de casa, numa cidade do interior. Eles têm um filho pequeno, Jean (Jean Costa), e o pai dela não sai mais da cama, não fala, não ouve.

A cartilha da família tradicional 

O conservadorismo fede nesta pequena região onde moram a pequena família que não demonstram nenhum tipo de afeto, comunicação ou ambição. E, com a chegada do argentino Miguel (César Bórdon), a dinâmica entre o trio começa a mudar por conta da recompensa que este homem pode oferecer a cada um. Seja físico ou emocional. Os desejos reprimidos e as contradições daquela família são expostos para nós, que estamos como observadores espionando a rotina da família sendo modificada pela partida e chegada de outros personagens, mas nada escapa para fora daquela casa.

Carvão representa um ambiente retrógrado muito familiar. Para quem já viveu ou tem algum conhecimento de como é uma cidade do interior, em que todos sabem da vida de todos, o filme mostra que a família perfeita não existe, mas que será feito de tudo para manter a reputação por conta do conservadorismo e da importância de seguir a cartilha do tradicionalismo. Afinal, se você não for igual a todos na sua volta, você será eternamente a ovelha fora do rebanho. E isso é pior que a morte.

Mas, Carvão sabe brincar com tudo o que coloca em jogo. Especialmente quando naturaliza o absurdo e deixa quem assiste sedento pelo o que está por vir. Carolina Markowicz não tem medo do choque, de cutucar a ferida e nos entrega personagens, que por mais duvidosos que sejam, vulneráveis, em que somos capazes de nos causar empatia pelas suas respectivas narrativas.

Jean (Costa) é o meu personagem favorito por ser quem não recua em nada, falando a verdade para quem precisa ouvir e o que mais sente o desfecho da história. Maeve Jinkings, mais uma vez, surpreende e interpreta Irene tão bem, que é impossível não torcer pelas suas decisões. O seu silêncio, o seu jeito firme, mas ao mesmo tempo frágil, a personagem precisa ser a líder da casa que carece de uma posição mais incisiva por parte do marido infiel.

Carvão é maravilhoso e hipócrita. E por não ter medo de contar o que se faz dentro de quatro paredes, ele é melhor que muita gente.

Carvão estreia nesta quinta-feira (3/11) nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Aracaju, Manaus, Belo Horizonte, João Pessoa, Curitiba, Porto Alegre, Maceió, Recife, Salvador, Brasília e Ribeirão Preto.

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