
Foi pelo cinema que eu conheci David Bowie (1947-2016). Lá na minha adolescência durante os anos primórdios da internet discada, eu comecei a ter acesso a conteúdos diversos da cultura pop. Um dia me deparei com drama alemão Eu, Christiane F. – 13 Anos, Drogada e Prostituída (1981), dirigido por Uli Edel, que é baseado na história de Christiane Felscherino, uma jovem que se prostituía para bancar o vício em heroína nas ruas da Berlim ocidental, chegando a ser relançado este ano nos cinemas pelos 40 anos do lançamento. Pois bem, David Bowie participa do filme, além de contribuir para a trilha sonora, e a imagem dele chegando ao palco para cantar Station to Station me fez entender rapidamente quem era aquele cara, sem ao menos saber o seu nome e da sua importância para música.
E foi no cinema, desta vez em uma sala escurinha, que reencontro o artista que tem o seu legado exposto em Moonage Daydream, um documentário musical que foge completamente do tradicionalismo e dos clichês do gênero utilizando a voz do retratado como narrador da sua própria história. Assim como fez em Cobain: Montage of Heck (2015), o diretor Brett Morgen mergulhou em materiais pessoais e registros públicos, além da própria arte de Bowie, para explorar ao máximo o conteúdo que tinha em mãos para se jogar na liberdade poética que lhe era permitida. Com isso, o filme convida para uma experiência sensorial e filosófica, sendo que a primeira nos entrega um verdadeiro show de rock’n’roll com algumas apresentações de clássicos que contextualizam às dissertações do artista sobre a vida, a solidão e o tempo.
Moonage Daydream é o primeiro filme apoiado pelo David Bowie Estate, que concedeu a Morgen acesso sem precedentes à sua coleção, ocorreu sob a supervisão de Tony Visconti, principal produtor de Bowie.

Na falta de uma definição melhor, digo que é refrescante poder assistir a um documentário como Moonage Daydream que, além de estar à altura do protagonista, também mostra como é possível abraçar o diferente, fazer algo ousado para que se possa entender, nem que seja brevemente, uma pessoa enigmática como David Bowie. Morgen entende perfeitamente o conceito de mudanças do roqueiro que gostava de experimentar, de mudar, e é exatamente a proposta do diretor. Contudo, é preciso ressaltar que devido a narrativa ser completamente dominada pelo cantor, mesmo sob direção de Morgen, ainda há um controle sobre o que pode e o que não pode falar, parecendo até uma forte estratégia de não manchar a sua intacta reputação. Mas isso é uma mera observação.
Moonage Daydream é uma viagem musical de um personagem que estava apenas de passagem pela Terra e compartilhou conosco o que tinha de melhor: a sua arte. David Bowie nunca será decifrado, pois ele nunca permitiu, mas sempre se divertiu com tudo que a vida colocava na sua frente. Sem medo. Afinal, como ele diz nos momentos finais do filme: o que importa é o você que faz em vida. Não importa por quanto tempo. E, assim, Bowie deixou a sua marca para infinitamente seguir nos inspirando. Seja pelo cinema, pela música ou pelas suas palavras.