#50FCG: O insaciável desejo pelo fim de “O Clube dos Anjos”

Amigos de longa data se reúnem em jantares mensais

O Clube dos Anjos é daquelas histórias que te fazem salivar por mais. Baseado na obra de Luis Fernando Verissimo, o filme escrito e dirigido por Angelo Defanti foi exibido nesse sábado dentro da Mostra Competitiva do 50º Festival de Cinema de Gramado. Recheado de nomes gigantes – como Otávio Muller, Matheus Nachtergaele, Paulo Miklos, Marco Ricca, Augusto Madeira, André Abujamra, César Melo, Ângelo Antônio, Samuel de Assis e António Capelo – a irônica trama acompanha a amizade desses amigos de longa data em suas sagradas reuniões mensais, uma confraria batizada de Clube do Picadinho, que, ao longo dos anos, passou de encontros festivos a jantares cheios de lamentos, não restando a eles nenhum fiapo de alegria.

Em meio a isso, um misterioso cozinheiro chamado Lucídio (Nachtergaele) chega para ajudar Daniel (Müller), que quer resgatar a antiga união do grupo, servindo magníficos banquetes, como faziam nos velhos tempos. Contudo, a gula dos amigos, que encontram na comida a volta da celebração da vida, acaba provocando a perda das suas patéticas vidas.

O Clube dos Anjos é teatral e está longe de ser uma maçante adaptação literária às telas do cinema. Pelo contrário. Defanti faz uso do espaço para interligar os personagens, assim como se assiste em uma peça em que os envolvidos dividem o palco, porém estão em ambientes diferentes, unificando o contexto da trama para que se possa enxergá-los em uma ação que diz respeito a todos. E, nesse caso, a comida é o que provoca a união deles, atraindo, novamente, a fome de viver ou, se for pensar por uma outra perspectiva, a vontade de saciar os seus últimos momentos de vida. Assim como prisioneiros condenados à morte escolhem a sua última refeição, esse grupo de amigos não resiste ao último pedaço da sua comida preferida.

Mas, se a gente pensa que pode ser uma ironia do destino, sentenciá-los com o gostinho do prazer, a obra realmente se vira contra eles e contra nós, o público. O Clube dos Anjos mostra-se gigante diante do quebra cabeça que Daniel monta a cada nova janta em sua casa e constroem uma armadilha contra a única coisa que mantinha o restinho de alegria dentro de cada homem dessa confraria. Contudo, por mais que já soubessem o que aconteceria no dia seguinte, por quê estes homens continuam retornando aos fatídicos jantares? É o desejo pela próprio fim? O Clube do Picadinho prefere, com isso, jogar, em grande estilo, a toalha das suas vidas, como forma de preparar a sua despedida daqui.

50º Festival de Cinema de Gramado – 13-08-2022 – Elenco longa-metragem brasileiro Clube dos Anjos | Foto: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

Defanti foi um gênio em não filmar essa história de modo comum, pois ele transforma O Clube dos Anjos em uma tragicomédia provocativa tanto em relação à celebração do fim quanto ao mistério que envolve Lucídio, mais um personagem brilhantemente interpretado por Nachtergaele que, parece, saber viver unicamente cada papel que cai em suas mãos. Aqui, ele nos deixa perplexos pela malícia de Lucídio que ninguém sabe como chega e nem os seus objetivos sobre aquele grupo de amigos que não têm mais nada a perder. Com isso, a ganância dele não parará até preparar o último prato. Assim como acontece com Otávio Müller que está na sua melhor fase e no seu melhor papel em anos. Daniel representa, talvez, a maior decadência masculina entre os seus amigos por conta dos seus trejeitos desorientados e a sua condição que exclama desistência. 

Enfim, O Clube dos Anjos expõe a mediocridade masculina que, mesmo sabendo da hora da sua morte, não abre mão de exaltar a sua própria vida patética, consequência do privilégio elitista que sempre soube aproveitar. Inclusive, este filme deve ser saciado até o último crédito, pois estamos diante de um verdadeiro banquete cinematográfico. Afinal, nada melhor do que assistir homens medíocres aniquilados. 

O Clube dos Anjos foi assistido no 50º Festival de Cinema de Gramado. 

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