
Casa de Antiguidades começa de forma fria e nada acolhedora. É o clima que sentimos desde dos primeiros minutos do longa-metragem, dirigido por João Paulo Miranda Maria, ao acompanharmos Cristovam (Antônio Pitanga), um homem negro indígena que busca em outras terras melhores condições de trabalho. Ele desembarca em uma comunidade rural no Sul do Brasil para trabalhar em uma fábrica de laticínios, onde enfrentará o racismo estrutural e escancarado do local que não cansa de enfatizar a sua superioridade branca.
- Curta e siga o perfil @cinelooou
É dessa forma que João Paulo Miranda Maria nos situa na história escrita por ele ao lado de Felipe Sholl, em que fazem uso de simbolismos e metáforas para narrar a desafiadora jornada de Cristovam neste lugar hostil, que procura meios e, principalmente, força, para se defender daqueles que insistem em lhe colocar como alvo de suas agressões verbais e físicas. Por conta disso, o protagonista “caipira” sente-se cada vez mais solitário e enfraquecido diante da sensação de se sentir um “forasteiro”, literalmente uma pessoa de outro planeta, como o diretor faz questão de enquadrar nas cenas internas na fábrica, em um lugar que não é receptivo com quem não é semelhante. O que fica evidente conforme descobrimos, junto com o personagem, mensagens racistas e vulgares na casa que mora, que também guarda outras histórias que foram oprimidas.
Casa de Antiguidades se fortalece pela proposta de ser um suspense contemplativo, em que as ações em cenas falam muito mais alto do que os pouquíssimos diálogos do filme. Pelo menos, aqueles ditos em português. Assim como Cristovam, ficamos desorientados e desconfortáveis pelo uso dominante da língua estrangeira, reforçando o orgulho do colonialismo daqueles que acreditam serem melhores que o resto do País, defendendo, inclusive, o movimento separatista. Sim, aquele mesmo que já aconteceu fora da ficção e das telonas. Mas voltando ao longa, o nosso protagonista representa a cultura negra que foi anulada, ou melhor dizendo, não teve chance de se fazer presente naquela comunidade e tenta ser a resistência, do jeito que consegue.

E todo o filme se passa pelo olhar de Antônio Pitanga. Seja no lacrimejar quando escuta pacientemente com muita dificuldade as falas em alemão de seu novo gestor, ou no brilho intenso quando encontra fagulhas de suas origens na sua morada, o ator carrega o peso da história em sua alma e no seu corpo. É impossível não se comover com a sua interpretação contida que transparece a tristeza, a fome e o desespero de não ser pertencente e, muito menos, acolhido por onde passa. Casa de Antiguidade deve muito ao peso do talento e da bagagem de Pitanga para construir um personagem incitante como o vaqueiro Cristovam.
Casa de Antiguidades está longe de ser inovador ou provocador no debate sobre o preconceito racial e cultural no cinema, mas sabe usar dos elementos que têm em mãos para criar uma experiência sensorial de realidades violentas que seguem sendo silenciadas.