Marighella: a luta que ofusca a reflexão de uma obra

Seu Jorge humaniza Carlos Marighella

Eu queria ter gostado mais de Marighella. Dirigido por Wagner Moura, que faz a sua estreia atrás das câmeras, o filme ganhou repercussão muito antes da sua estreia e, por isso, conquistou o interesse de boa parte dos espectadores. Carlos Marighella (1911-1969) foi um político baiano, escritor, poeta e guerrilheiro comunista marxista-leninista brasileiro, mas o longa parece apenas focar em apenas em um dos seus títulos que o tornou o inimigo número um do governo da ditadura militar (1964-1985) no Brasil. Pode-se dizer que as escolhas da direção em relação a luta armada, ofuscou a reflexão da obra. 

Marighella tem sangue nas veias e tem muito a protestar, no entanto, pouco a dizer. Com impressionantes cenas de ação, de uma bela fotografia construída por Adrian Teijido, Wagner Moura preocupou-se a preencher o filme com fatos determinantes na trajetória do ex-militante do Partido Comunista e fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), mas ainda assim, rasos. Há uma pressa, e com razão, dos personagens agirem contra o regime opressor da época, afinal, qualquer piso em falso, era o fim da linha para qualquer um. Porém, a falta de profundidade do roteiro, também escrito por Moura, não aborda a importância da democracia brasileira para aqueles que estão a defendendo com armas e vidas nas ruas. Parece que apenas simbolizar no delegado Lúcio (Bruno Gagliasso) como a ditadura militar é o lado errado da história, ou melhor, o vilão, é mais do que suficiente para justificar a movimentação. É uma escolha preguiçosa, vamos combinar, mesmo que dentro de um filme extremamente político e que se posiciona do início ao fim. 

Bruno Gagliasso é delegado Lúcio

No geral, Marighella é muito bem feito tecnicamente. O elenco é riquíssimo de nomes, porém, alguns como o de Adriana Esteves, por exemplo, foi um talento desperdiçado pela sua personagem não agregar em nada na narrativa. Bruno Gagliasso é esforçado, é preciso reconhecer isso, mas sua interpretação como o delegado Lúcio acaba se tornando ambígua por ora se jogar na caricatura vilanesca de uma autoridade grotesca e opressora, por outra também usar desta imagem para, talvez, fazer um deboche da figura que representa em cena. Seu Jorge não poderia ser a escolha certa para o protagonismo. De longe, o ator inspira confiança, carinho e liderança de um homem que acredita na sua luta, contudo, com o cuidado protetor com os seus colegas de guerrilha. É importante destacar o lado humanizado que o filme dá ao protagonista, salientado como também é controverso. A cena inicial entre pai e filho, onde faz uma clara referência à Moonlight: Sob a Luz do Luar, de Barry Jenkins, é uma das mais comoventes.

Espero que Marighella siga na boca do povo e, com isso, atice a curiosidade de todos para conhecer mais a fundo quem foi o político. Assim como acredito que o filme ainda seja necessário para lembrar de um dos períodos mais trágicos do Brasil no século 20 e dos horrores que era o regime militar, algo que ainda é exaltado por alguns e chutado para debaixo do tapete por outros. Mas ainda bem que existe o cinema brasileiro, com seu jeitinho revolucionário, para resgatar vidas e honrar democracias.

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