
“O cinema salvou minha vida”, diz Salvador Mallo, personagem de Antonio Banderas em Dor e Glória, o mais novo filme de Pedro Almodóvar. Eu poderia dizer o mesmo que este protagonista, mas acrescentaria que o cinema de Pedro Almodóvar salvou a minha vida.
Todos devem saber que o espanhol é o meu diretor favorito desde que assisti Fale Com Ela no meu primeiro ano na faculdade de Cinema na PUCRS. Conheci Almodóvar meio tarde, mas veio na hora certa. Almodóvar me conquistou com seu jeito sútil e natural de sair da caixinha, do cômodo e do óbvio. E, claro, a sua dramaticidade, paixão e um mundo à parte veio em uma época de mudanças na minha vida. Uma época boa de descobrimentos. E com ele, é exatamente assim em seus filmes. É sempre uma descoberta. Principalmente interna.
A vida de Almodóvar está nas entrelinhas de Dor e Glória. Talvez seu filme mais íntimo da carreira e do qual ele mais se abriu em relação a sua vida pessoal. É uma história que não é tão literal e também não tão longe da sua realidade passada.
Em Dor e Glória, seu 14º filme como diretor, Almodóvar abre suas cicatrizes escondidas enquanto retoma suas origens humildes e religiosa sob efeito da heroína, que é a sua fuga para momentos de amortecimento. Aí é quando, finalmente, se desliga e viaja pelo seu inconsciente para fugir das suas dores físicas. Resultado de uma velhice que não lhe caiu bem.

Tudo isto é sentido através da expressão física e emocional de Antonio Banderas, que se entrega neste papel que é uma representação almodovariana. Ele é hilário, bruto e sensível na atuação que lhe rendeu o prêmio de Melhor Ator no último Festival de Cannes. O mesmo dá para dizer de Penélope Cruz que está bela de todos os jeitos possíveis em cena. Ela é Jacinta, a mãe de Salvador, uma mulher que dá a vida pelo seu filho, trabalha para que ele não perca as oportunidades na vida.
A partir daí, o filme vai se aprofundando ainda mais na intimidade do diretor espanhol. Fica a seu critério acompanhar de qual. O primeiro e último amor do personagem são os elementos chaves para despertar o que estava morto por dentro. Às vezes, o que se teve, não volta mais. Mas, o que volta mesmo, é a paixão pela vida. Pela sua vida. Pelo o que te manteve vivo até aqui.
O reencontro de Salvador com Alberto Crespo (Asier Etxeandia) também é um dos momentos em que o personagem precisava para fazer as pazes com seu passado. Crespo era ator dos filmes de Salvador e após um desentendimento no passado, nunca mais tiveram contato. Qualquer semelhança entre Almodóvar e o próprio Banderas é total veracidade. Engraçado perceber que o trabalho de um salvou a vida do outro. Enquanto que o escape deste outro foi o que ajudou a voltar naquela pessoa com quem o personagem precisava conversar: sua mãe.
Não só neste filme, mas na sua maioria, é possível perceber a forte relação que Almodóvar tinha com a sua mãe Francisca Caballero, que faleceu em 1999. Ela, inclusive, fez algumas pontas nos filmes do filho. Mas, em Dor e Glória, a mãe de Salvador, interpretada por Julieta Serrano no final, tem seus últimos momentos com personagem em uma conversa sincera sobre as suas diferenças, que causou, claro, algumas dores em ambos. E, apesar disso, Salvador finalmente diz e aceita que nunca poderia ter agradado ela por completo.
Dor e Glória é uma revisitação ao passado, uma resinificação das amarguras da vida, um autoconhecimento para voltar a ter forças. Dor e Glória é um filme para encontrar a paz consigo mesmo.