O.J.: Made In America ★★★★★

Direção: Ezra Edelman | Produção e Distribuição: ESPN Films | Gênero: Documentário | Nacionalidade: Estados Unidos | Duração: 7h47min

O.J.: Made In America é um documentário forte. Forte em seu tema, forte na sua execução e o resultado é uma porrada. A história do ex-jogador de futebol americano, Orental James Simpson, ou simplesmente O.J., sempre foi muito instigante para mim. Para quem não o conhece, ele foi um grande ídolo do esporte nos Estados Unidos, quebrou recordes nos gramados, era o líder do time e qualquer modalidade que disputava, O.J. sempre era o melhor. Depois de se aposentar, ele se tornou ator em Hollywood. Participou de filmes e até estrelou séries na televisão. Uma lenda aos olhos do povo norte-americano. Porém, o mito caiu quando se tornou o principal suspeito de cometer o duplo homicídio da ex-esposa, Nicole Brown Simpson, e do garçom Ronald Goldman. Todas as provas apontavam em uma única direção para o culpado e mesmo assim, Simpsou saiu inocentado de um julgamento que durou quase um ano e se tornou um circo midiático desastroso nos Estados Unidos. O longa dirigido por Ezra Eldman mostra como esta trajetória de vitórias e derrotas de O.J. caminharam lado a lado com a luta do fim do preconceito racial no país e como isso acabou inocentando o ex-atleta.

Com mais de sete horas de duração, O.J.: Made In America é dividido em cinco partes e cada uma relatando cada fase da ascenção e queda de Simpson. Primeiro somos seduzidos e completamente conquistados por aquele jovem atleta, de pele brilhante e um sorriso encantador que seria uma das apostas do time da Universidade da Carolina do Norte. Seu grande momento acontece quando tem a “famosa corrida”, em que dribla e foge de todos os adversários e marca o seu touchdown. O seu talento chamou atenção de equipes profissionais que não exitaram em levá-lo para a cidade grande, onde mesmo com algumas dificuldades, não demorou para que seu nome deslanchasse e virasse o favorito dos fãs de futebol. Em contraste com isso, nos anos 1960, muitos negros partiram de cidades do interior para as capitais, em especial, para a cidade de Los Angeles, na Califórnia, onde se falava da tamanha liberdade que o local proporcionava para qualquer cidadão. Porém, com o aumento da comunidade negra, muitos brancos começaram a se sentir ameaçados e incomodados com esta integração. Ataques e perseguições com os negros aumentavam diariamente e a polícia não economizava na violência. A partir daí, grupos de resistências e ativistas sociais começaram a surgir e protestar contra o preconceito racial. Com isso, muitos outros atletas negros começaram a apoiar várias causas na época, como boicotar as Olimpíadas de 1968 e quando podiam, se manifestavam utilizando gestos dos Panteras Negras em público. Ao contrário de O.J., que sempre manteve uma postura isolada quanto o que acontecia com os negros na época e preferiria se abster de comentar os fatos. Até porque, O.J. considerava seu nome muito maior do que a cor da sua pele. Em diversas vezes, ele comentava que “não era negro, mas sim O.J. Simpson”, o que fazia com que muitos comprassem esta mesma ideia.

O casamento com Nicole Brown Simpson apenas reforçava que O.J. estava cada vez mais jogando no time dos brancos do que dos negros e que, era exatamente isto que ele queria. Deixando para trás sua ex-esposa e dois filhos, Simpson finalmente estava incluso na alta sociedade de Hollywood e deslumbrado com a sua nova vida com esposa branca, amigos brancos e sua carta branca perante a todos. Nem mesmo as primeiras denúncias de violência doméstica que eram divulgadas, abalaram a reputação de O.J. No segundo episódio do documentário, o diretor atenta para este relacionamento conturbado entre o ex-jogador e Nicole, e finalmente somos apresentados a esta garçonete que tentava a sorte grande em Los Angeles e acabou esbarrando em O.J. Ouvimos áudios dos telefonemas de Nicole desesperada ligando para polícia, lemos seu diário em que prometia para si mesma que não voltaria para o ex-marido, assistimos depoimentos de amigos relatando como era a vida com o casal e a cada palavra solta durante o documentário, entendemos que se trata evidentemente de um feminicídio que poderia ter sido evitado. Enquanto isso, na zona pobre de Los Angeles, os negros presenciavam e sofriam mais ataques da polícia americana. São invasões em residências sem mandato, são agressões a um cidadão indefeso, são assassinatos a adolescentes desarmados, são prisões sem ter cometido crime algum. Enfim, são tamanhas injustiças que contrastam com a vida daquele ídolo que vivia em paz entre os brancos. Até então.

O julgamento do século nos Estados Unidos tomou conta de todas mídias, vidas, conversas, discussões, do comércio e em todo lugar em que caminhava, havia a famosa enquete: e aí, ele matou ou não matou? Enquanto que os brancos acusavam impiedosamente o ex-atleta, os negros defendiam sem pensar duas vezes. E assim não só iniciou esta divisão racial, mas um jogo decisivo que iria parar o país. E novamente, a bola estava nas mãos de O.J., que não poupou recursos para montar a melhor equipe para entrar em campo nesta nova “corrida pela sua vida”. Lá estavam John Shapiro, Robert Kardashian, F. Lee Bailey e Johnny Cochran na defesa, preparando toda a jogada para colocar O.J. no ataque e marcar mais um ponto. Contra o “Dream Team”, estavam Marcia Clark, Chris Darden e Gil Garcetti, que apesar de terem todas as provas evidentes contra o time adversário, a ganância e a pressa em prender a estrela do julgamento, acabou atrapalhando a promotoria. De acordo com o depoimento de uma das pessoas do júri, o que a levou a votar a favor de O.J. na hora do veredicto, foi a forma como Marcia e companhia apresentaram o caso. Mesmo com as provas ali, a equipe era muito inferior em comparação com as estratégias lideradas por Johnny Cochran, que sabia muito bem lidar com qualquer público. O papel de Cochran no julgamento foi de extrema importância, pois ter alguém do “povo” ao lado de uma estrela, ajudaria muito Simpson na absolvição. Cochran apelou de todas as formas possíveis para a cor da pele de O.J. e de como a sua comunidade havia sendo perseguida historicamente nos Estados Unidos, e este caso seria mais um nos arquivos da corte americana. E como a justiça da Califórnia havia inocentado tantos outros por terem espancado e matado negros, por que não fazer a mesma coisa com Simpson, para provar que não existe preconceito racial nos Estados Unidos? Pois foi assim que aconteceu. Como se fosse um jogo se encaminhando aos 49 do segundo tempo, quando foi anunciado que O.J. era inocente, a cidade inteira se dividiu entre os que lamentavam com o veredicto e os que comemoravam que um negro não iria preso naquela dia. Literalmente a cidade exalava esta mistura de sentimentos após mais uma corrida vencida por Orenthal James Simpson.

Entretanto, esta vitória custou todas anteriores conquistadas por O.J. Seus amigos, trabalhos, status e reputação foram totalmente perdidos. Ninguém mais quis se relacionar com este cara um tanto dúbio. O documentário mostra como Simpson era instável, manipulador e sedutor ao mesmo tempo, mas nunca o posicionando com uma pessoa má ou boa. Isto irá partir do próprio espectador que tem na sua mão, uma produção que pode ser considerada um exemplo de imparcialidade. Não há só o lado de Nicole Simpson sendo exposto, não é só Marcia Clark que relata o seu ponto de vista, não aparece só os lados positivos da carreira de O.J., mas há depoimentos de 99% dos envolvidos. Em Made In America, a principal proposta é analisar a vida de quem era considerado uma lenda viva para os americanos. O.J. era um cara que todos podiam se espelhar, se inspirar e se orgulhar. Ou se não era uma pessoa ligada aos esportes, já tinha assistido Simpson na televisão em algum filme, série ou simplesmente participando de algum show. Ele foi uma representatividade significativa e esperançosa para a comunidade negra que começou a se enxergar de forma positiva na mídia. Mesmo que O.J. tenha se afastado de suas origens, nunca lhe foi negado qualquer ajuda. Tanto que foi este fator que acabou o inocentando do duplo homicídio. Este se torna o segundo item que o documentário nos esclarece, de como a luta pelo fim do preconceito racial beneficiou o atleta no processo. Não se tratava de apenas prender um assassino, se tratava de uma vingança histórica em cima da justiça branca americana. Desta vez, eram os negros que finalmente viam um dos seus saindo ileso de um crime. Assim como ocorreu com os policiais que espancaram Rodney King e uma comerciante que atirou em uma adolescente pelas costas. Estes dois casos com imagens que perfeitamente denunciavam os envolvidos e mesmo assim não foram presos.

Para concluir, O.J.: Made In America possui vários elementos dignos de debates intermináveis. O diretor apresenta contextualização tanto da biografia de Simpson quanto da sociedade na época. Fatos importantíssimos para compreensão do filme e do episódio que levantou todo um país. Eldman também honra as questões raciais postas em tela sob uma narrativa muito envolvente com uma trilha climatizada num suspense básico, depoimentos chocantes e materiais inesperados. No embalo, a série American Crime Story: The People Vs. O.J. Simpson serve como um complemento ao documentário ao relatar os eventos a partir do duplo homicídio de Nicole e Ronald. Mesmo com quase oito horas de filme, você vai querer mergulhar mais e mais nesta tragédia americana.

Para quem quiser encarar esta maratona, o site da ESPN disponibilizou o documentário online.

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