Direção e Roteiro: José Pedro Goulart | Elenco: Sandro Aliprandini, Patricia Selonk e Eucir de Souza | Gênero: Drama | Nacionalidade: Brasil | Duração: 1h34min
Acredito que o cinema sirva para várias coisas: entreter, refletir, denunciar, apaixonar, ensinar e principalmente transformar. Poucos foram os filmes que me tocaram tão intensamente como foi o caso de Ponto Zero, o primeiro longa metragem de José Pedro Goulart. Um documento que mergulha em um eco familiar e transforma a dor em amadurecimento.
Ênio (Sandro Aliprandini) é um adolescente tímido dentro de casa e reprimido fora dela. Se na rua é motivo de chacota por outros jovens, com a família, ele tem que obedecer tanto os gritos do pai (Eucir de Souza) quanto a carência da mãe (Patricia Selonk). A casa do guri é um lugar vazio de afeto e cheio de ressentimentos. A ponta da mesa das refeições está sempre à espera da figura paterna que vira noites e mais noites trabalhando em uma rádio e escutando histórias de estranhos. Mas estar presente também não significa se importar. Atitude que é exemplificado no papel da irmã de Ênio, que assim como o pai, prefere quem está de fora do que a própria família.

A responsabilidade de tentar manter os quatro unidos, chega nas mãos de Ênio, que aos 14 anos, mal esperava ter que lidar com tantos problemas emocionais intensos dentro da sua casa. Principalmente com os seus. Sofrer calado e sozinho só pode resultar em um ponto zero na vida das pessoas. Um ponto zero que pode significar tanto uma explosão quanto apertar o resetar na vida de alguém. Ênio tem este momento quando, em uma noite chuvosa em Porto Alegre, tem um choque de surrealismo que vai finalmente libertá-lo.
Sensibilidade na tela
Ponto Zero pode ser considerado um dos filmes mais sensíveis que o cinema brasileiro já teve recentemente. Um caso familiar que não precisa de grandes nomes no elenco, tão pouco longos diálogos explicativos e nem se preocupa em desenvolver um milhão de histórias para prender o público.
Ponto Zero é muito bem representado pelo estreante nas telonas, Sandro Aliprandini. O ator nos entrega um Ênio que cada um esconde dentro de si. Se escondemos sempre alguma dor lá dentro do peito, Ênio quer se esconder inteiramente. Seja com o cabelo no rosto ou a cabeça sempre baixa, o personagem ecoa a angústia que sofre dentro daquela infinita “órbita” que é a sua casa e não há ninguém que possa salvá-lo. Os personagens se afogam na própria solidão que criaram em suas vidas. Se o pai diz que não é a gente que escolhe o destino, mas o destino que escolhe a gente, apenas mostra que Ênio foi o escolhido para sobreviver.

A direção de José Pedro Goulart é intensa nos dois pontos que existem na tela: o pai e a filha alheios à sua família, e a mãe e o filho em busca de conforto. O diretor também nos conduz, com o seu roteiro, sempre pelo desconhecido e pelos mistérios que cada atitude que Ênio possa fazer. A sua carreira publicitária ajudou bastante na estética e na edição de Ponto Zero. Deixando algumas cenas tão profundas aos nossos olhos. O longa também é cheio de simbologias.
A própria introdução e a conclusão fazem parte daquele espaço que parece não ter fim. “É um detalhe, coisa mínima, mas já parece estar a muitos quilômetros de distância”. E já confessando, quem possui um desapego familiar, sabe o quanto este afastamento pode ser real. Você vê o quanto alguém está longe e não consegue puxá-lo de volta. Não se sabe quando foi que desprendeu, não entende como desconectou e não consegue resgatar. Mas Ênio, aquele gurizinho sozinho e machucado, sabe como nos salvar.