Que Horas Ela Volta? foi um dos filmes que mais chamou atenção nos cinemas em 2015. Após a exibição nessa segunda-feira na Tela Quente, na Rede Globo, a produção voltou a repercutir para os que ainda não tinham se deliciado com a história. Há muitos debates gerados sobre a o filme dirigido por Anna Muylaert que saiu lá dos quartinhos dos fundos de muita gente. Que Horas Ela Volta? traz às nossas vistas um Brasil que há tempos vem mudando.
Com ajuda dos dois últimos governos Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) esta evolução deu um grande salto. É o que diz o antropólogo e diretor geral do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais (Inpro), Benedito Tadeu César. “O Brasil tornou-se, durante o período da ditadura civil-militar de 1964/1985, o segundo país mais desigual do mundo. A redução desta imensa desigualdade teve um início tímido no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2001), com a estabilidade monetária, mas só tomou força durante os governos Lula e Dilma com as políticas sociais e de complementação de renda, mas sobretudo com a política de valorização do salário mínimo e, no plano educacional”, conta Benedito.
Quando a personagem de Jéssica (Camila Márdila) conta que vai prestar vestibular para mesma “concorrida” faculdade que o filho de Bárbara (Karine Teles), esta fala com muito desdém de que o Brasil está realmente mudando. Quase não acreditando na novidade da filha da empregada Val (Regina Casé), pois isto inverte aquele ditado de que “filho de peixe, peixinho é”. Hoje, o filho do empregado não precisa ser mais empregado. Ele também vai ter a oportunidade de ser o empregador. Benedito afirma que toda mudança provoca desconfortos e os que estavam estabelecidos e usufruíam das vantagens do status quo, reagem ao ingresso de novas pessoas no seu universo.
“Eles sabem que seus antigos privilégios (acessíveis a poucos) poderão ser ameaçados. Se todas as novas ‘Jéssicas’ não se conformarem mais em serem eternas ‘Vals’, quem cuidará das casas e dos filhos das ‘Bárbaras’ da vida?”, revela o antropólogo.
O cineasta e mestre em comunicação pela PUCRS, Emiliano Cunha, complementa que esta mudança também incomoda as ‘Vals’ do país, pois a personagem representa a própria incapacidade, de boa parte da população, em aceitar a recente inclusão social. “Ela própria está “contaminada” pelo preconceito crônico e histórico brasileiro”, explica. Isto é perceptivo em cenas quando tenta ensinar para a filha as “regras invisíveis” que ninguém ensina, mas sabem que existem entre empregado e patrão. Emiliano acredita que Que Horas Ela Volta? acolhe, de maneira muito feliz, um momento importante (ao mesmo tempo em que crítico) da história de nosso país.
“O filme confronta uma nação em evidente transformação – após séculos de imobilidade social -, com outra ainda enraizada em um modelo servil, maquiado atrás de uma frágil (e quase sempre hipócrita) condescendência a tais mudanças”, comenta o cineasta.
Personagens caricatas
Involuntariamente, a personagem Bárbara acaba sendo enxergada como a vilã. Porém, como explica Emiliano, quando se fala em termos de roteiro cinematográfico, um filme tem este desenho clássico. Assim, ela precisou se tornar, inevitavelmente, o antagonista da fábula. E antagonistas, em geral, precisam declarar as suas vontades. No caso do filme de Muylaert, que o Brasil não mude. Para o diretor, no universo ficcional construído em Que Horas Ela Volta?, a Bárbara não é uma personagem caricata, mas extremada. “Para mim, é o personagem mais raso de todos, e acaba, talvez por esta razão, encarnando um maquiavelismo exagerado diante do tom geral do filme”, opina.
Já Benedito entende que todo personagem de ficção precisa ser um pouco caricato. Um filme, assim como um livro, uma peça teatral ou até mesmo uma canção popular, são condensações de momentos, de sentimentos e situações. Assim sendo, os traços que marcam os personagens precisam ser acentuados. “Há, sem dúvida, uma certa caricatura em cada personagem, mas entendo que ela ocorre na medida certa. Para o meu gosto pessoal, acho que o pai é o personagem mais caricato. Ele é um frustrado e um inerte, um sujeito que acreditou que seria “um grande” e que não deu em nada”, diz.
O antropólogo acredita que o pai é uma versão mais velha do que o filho irá se tornar. Esta herança que Benedito fala, toma forma no filme quando Fabinho (Michel Joelsas) não passa no vestibular e ganha como prêmio uma viagem à Austrália. Já Jéssica, refaz a trajetória da mãe, saindo de Pernambuco para São Paulo e deixando o filho para trás. Entretanto, ao contrário do exemplo materno, vai para estudar e volta para buscar o filho. “Com tudo isso, a declaração de amor do pai e o pedido de casamento é algo patético”, critica Benedito.
Geração Jéssica
A personagem Jéssica, desde sua chegada, marca território com a sua confiança. Superficialmente, é possível achá-la metida. Porém, logo percebe-se que Jéssica tem toda razão. A sua frase chave “eu não sou melhor que ninguém, mas também não sou pior” nada mais é do que um puxão de orelha. Benedito diz que a frase deveria ser uma espécie de mantra a ser repetida a cada minuto.
“Temos que aprender e aceitar que todos têm direitos. Algo que nunca foi aceito no Brasil e que ainda hoje muitos têm dificuldade de aceitar”, aponta Benedito.
A Jéssica é um símbolo de uma nova geração que se forma através da educação que levou. “Ela aprendeu que é uma cidadã e que tem direitos como qualquer outra pessoa e que não precisa e não deve se submeter aos que têm mais. Muito diferente de sua mãe”, diz Benedito. Assim como a personagem, outros jovens estão na construção de uma vida e de um país melhor e principalmente, acessível a todos.
O filme é um exemplo do que acontece no Brasil sem ser carregado emocionalmente e sem partidário. Emiliano acredita que Que Horas Ela Volta? é corajoso justamente por ser uma miscigenação de intenções. “É um filme que consegue chegar a um grande público, é divertido e, ainda por cima, se posiciona – algo que, infelizmente, falta hoje no universo artístico brasileiro”, conta.
“O filme, sem estimular dicotomias, escolhe um lado. E ser político é isso. É saber o que defender e porquê. Então, penso que sua importância para a discussão do atual contexto sócio-político brasileiro já foi alcançada. É um filme fundamental para os dias de hoje!”, conclui Emiliano.
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O filme é ótimo!
E como não vejo mais a Globo nem fiquei ciente que iria passar. Agora, espero que muitos coxinhas tenham assistido!
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