Uma investigação cuidadosa, baseada em imagens de arquivo, entrevistas e documentos oficiais, sobre o seqüestro de um ônibus em plena zona sul do Rio de Janeiro. O incidente, que aconteceu em 12 de junho de 2000, foi filmado e transmitido ao vivo por quatro horas, paralisando o país. No filme a história do seqüestro é contada paralelamente à história de vida do seqüestrador, intercalando imagens da ocorrência policial feitas pela televisão. É revelado como um típico menino de rua carioca transforma-se em bandido e as duas narrativas dialogam, formando um discurso que transcende a ambas e mostrando ao espectador porque o Brasil é um país é tão violento. Fonte: AdoroCinema
Se me perguntarem qual foi o último filme que me fez chorar, eu apontarei este documentário de José Padilha. Lançado em 2002, dois anos após o sequestro ocorrido no ônibus da linha 174 do Rio de Janeiro, esta produção retrata o lado humano do autor do crime que comoveu o país na época. É normal as pessoas fazerem cara feia quando se fala que bandido tem lado humano, um lado emocional certamente nada estruturado e facilmente corrompido por más influências que também não tiveram uma boa base em casa. Mas gente, existe. Todos temos um coração, uma mente que contém lembranças que traumatizam e uma história que ninguém nunca vai compreender, pois ninguém estava lá para saber o que aconteceu. Assim como em um filme, parte do conhecemos em uma história seja lá de quem for, sempre será uma versão, uma retratação, talvez 10% do que realmente aconteceu. O que ocorre na vida particular de alguém, seja ele seu vizinho, sua melhor amiga, o menino ou o velho que moram na rua, só é da conta deles. Não é nosso direito julgar as escolhas de cada pessoa. E acredito que este documentário mexeu tanto comigo ao ponto de pensar de que não posso mais ter aquele pensamento instantâneo ao saber de um crime tão grande como foi do ônibus 174.
Sandro Barbosa do Nascimento foi abandonado. Ainda criança viu a maior tragédia da sua vida acontecer na sua frente: ver a mãe ser assassinada não é algo fácil de se superar. Por mais que tenha tido amparo de sua tia, Sandro cresceu nas ruas. Assim como outras crianças que tiveram traumas e histórias parecidas com a sua, ali era o lugar que se sentia compreendido, acolhido. Ainda criança também viu a Chacina da Candelária acontecer sob o seu nariz. Ele conseguiu escapar, mas cada vez mais tragédias iam acontecendo a sua volta e se refugiando no que está mais ao seu alcance do que um pedaço de pão. Já com a mente inquieta, as drogas certamente o levavam ao êxtase de todo o seu emocional cheio de raiva, medo e sem esperança de nada. Com várias passagens em casas de correção e com várias fugas na sua ficha, Sandro continuava sendo ignorado pelo sistema que acha que enfiar vários “Sandros” em um cubículo e deixar apodrecer, vai adiantar alguma coisa. Isso só acumula ainda mais a rebeldia dentro de cada menino.
Ônibus 174 intercala ao mesmo tempo que conhecemos a vida de Sandro com as cinco horas do sequestro que o tornou famoso. Isso torna o documentário envolvente por não se fixar na ideia de início, meio e fim, assim como acontece no filme Última Parada 174 (dirigido por Bruno Barreto, uma ficção baseada no dia do crime que também conta a vida de Sandro). O documentário traz depoimentos da sua única família, sua tia e sua mãe de criação, a única presente em seu funeral, além da presença dos reféns do sequestro e também de jovens que conviveram nas ruas com Sandro. Enquanto todo o “espetáculo” que a mídia fez sobre este 12 de junho de 2000 se desenrola, nós absorvermos como a exclusão social seja a maior tragédia pela vida de Sandro e tantos outros que vivem, nascem e morrem do mesmo jeito. E não foi só isso que me tocou e me fez chorar nesse filme. Foi o fato de que realmente ninguém se importa. A polícia o matou porque ninguém ia se importar. Ninguém iria defender o marginal que sequestrou um ônibus no meio do Rio de Janeiro. Ninguém ia se comover com a morte de um jovem que já estava no caminho da morte. Mas não, gente. Todos têm esse pensamento porque não é seu filho, amigo, irmão que está ali sendo enterrado.
Você pode estar pensando que eu estou o defendendo, que ele tinha todo o direito de ter feito o que fez. Não, ele não tinha. Os meios não justificam os fins. Não vou apontar culpados, porque isso é fácil demais. Talvez a vida seja a maior culpada. Assim como eu não nasci em um lar dourado de Hollywood, Sandro não teve a sorte de ter o mais básico na vida de qualquer ser humano: uma boa casa, um lar, uma família. Uma ajuda que realmente se interessasse por ele. Pode parecer besteira o que estou pensando, mas foi o que pude absorver deste exemplar documentário de Padilha. Seria fácil cair na acusação de que Sandro mereceu morrer e todos os bandidos devem ter o mesmo fim. Mas indico que assistam este filme e pensem melhor sobre esta teoria de que eles, os malvados da sociedade, têm escolha de sair dessa. Sim, eles têm. Mas quem vai querer escolher eles?